O «pão líquido» conquistou o mundo

 Há muito, muito tempo, quando os exércitos ainda só viajavam a pé ou a cavalo, os soldados tinham um truque para fazer frente ao cansaço. Ao fim do dia, pegavam num pão de cevada, esfarelavam-no para dentro de um recipiente com água e apreciavam a sua cerveja de fim de tarde. Não terá sido apenas pelas qualidades nutritivas do então chamado «pão líquido» que o poder do Próximo Oriente se espalhou pelo mundo conhecido de então, mas ajudou. E a cerveja conquistou o mundo. Hoje, é incontornável. Da tradição riquíssima dos «pubs» irlandeses e britânicos às esplanadas da Europa central e de leste, passando pelas noites latinas e os bares australianos. Em África, onde a água potável é tantas vezes um bem escasso, a cerveja é um verdadeiro artigo de primeira necessidade. Onde há calor, a cerveja lá está, mais clara ou mais escura, fresca ou à temperatura ambiente, para ajudar a matar a sede. E não só.

Este produto descoberto por acaso – quando, algures na noite dos tempos, alguns grãos de cevada foram deixados a levedar dentro de um recipiente com água – já foi, em inícios do século XX, aconselhado às amas, para não correrem o risco de o leite secar. Na verdade, a cerveja é rica em algumas vitaminas, nomeadamente a B, indispensável ao crescimento, e isso parecia recomendá-la para as crianças. Mas agora também se diz que faz muito bem aos ossos. Não fosse o pormenor do teor alcoólico e estaríamos perante um verdadeiro produto da era «light»: uma cerveja sem álcool tem menos valor energético do que um iogurte magro com zero por cento de gordura. E é constituída em 93 por cento por água.

Durante muito tempo, a cerveja foi vista como um produto demoníaco: não só era associada a povos bárbaros como ninguém percebia bem o mecanismo natural que a criava (Pasteur dedicou boa parte da sua vida a trabalhar nesta área, lançando luz sobre essa trabalhadora incansável que é a levedura, e aqui fica o nosso sincero agradecimento). Ainda hoje persistem algumas raízes desse pensamento. O vinho é uma dádiva de Deus, a cerveja fruto do trabalho do homem. O primeiro é o sangue de Deus, a segunda «um líquido aparentemente inofensivo que, quando consumido em quantidades industriais, transforma qualquer homem num imbecil» (citação livre do comediante australiano Paul Hogan). Até que um dia passou das mãos das mulheres que a faziam em casa para os cuidados mais refinados dos monges das abadias europeias. Nos dias que correm, as grandes marcas dominam o mundo, mas cresce a moda das microcervejeiras, com pequenas produções de características muito próprias. Hoje, mais do que nunca, é bem verdade que, por mais que beba, um homem nunca conseguirá provar todas as cervejas do mundo. Mas ninguém deverá levar a mal que se tente.

Sabias que…

O mais antigo documento escrito da história, o código de Hamurabi, legislavase sobre o fabrico da cerveja e condenava-se os cervejeiros aldrabões a serem afogados no seu (mau) produto ou a serem enterrados vivos
Os egípcios inventaram a cerveja moderna, à base de cevada. São precisos 5 a 6 litros de água para fazer um de cerveja
Uma cerveja sem álcool pode ser alcoólica (até 1,2 graus)
Os alemães são os maiores consumidores do mundo (131 litros anuais por pessoa em 1997). Portugal aparece no 14º lugar (64,2 litros)
Um coleccionador de bases para copos é um cervalobelófilo
Um barril encetado deve ser consumido nas 48 horas subsequentes
Um tipo de cerveja belga tem o nome de «Faro», por causa da capital algarvia

In http://www.publico.pt/docs/ABC/23Cerveja/index.htm